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terça-feira, 26 de novembro de 2013

Um pouco é melhor do que nada?



Estive recentemente pensando nos vários aspectos dos setores mais críticos neste país de políticos ladrões e como ativo participante dos processos de decisão em saúde pública, achei interessante ouvir críticas e defensores de várias ações que alegam ter o objetivo final de melhorar a situação das camadas mais pobres da população.

Alguns exemplos que acho que podem guardar alguma relação: 

programa mais médicos, mutirões de cirurgias, incentivos a policiais, pareamento de PMs com PCs


- solução : incrementar o valor dos salários dos médicos para atrair aqueles que se dedicam exclusivamente a causa privada. 
--> Alguém aqui realmente acha que simplesmente aumentar o salário dos médicos ele começarão a cumprir horários e trabalhar "melhor"? Em curtíssimo espaço de tempo eu sei oque vai acontecer - jeitinhos...

- solução para solução: aumentar salários igual a de juízes e desembargadores com uma carreira com dedicação exclusiva. Ou seja, não poderia trabalhar em outras coisas senão no sistema público. 
--> Alguém aqui já ouviu falar nos privilégios destas categorias (claro que tem alguns ônus também)? Os legisladores sabem o que ocorre nesse setor e NÃO QUEREM outra categoria profissional igual nemmm mortos!!!! Além disso, dizem os boatos, não lembro quem falou ou quando, mas policiais miliares e civis sempre fazem algum "bico" para complementar o salário (pois este é baixo que dá vergonha) - apesar que pela lei eles tem dedicação exclusiva ao serviço policial.

- solução para solução da solução:  melhorar salários, deixar trabalhar em outros lugares mas limitar a carga de trabalho para a condição humana digna e ter forte sistema de fiscalização.
--> Alguém aqui acha que NÃO TEM FISCALIZAÇÃO? Claro que tem - apenas é inerte, ineficiente e hipócrita. De vez em quando arranjam uns bodes expiatórios só para dizer que tão fazendo alguma coisa. Gente, até no Senado a fiscalização não funciona.... Os prefeitos com o subfinanciamento da saúde e da segurança pública se viram da maneira como podem.


Então sinceramente - até existem soluções mais ideais. Até existem soluções mais éticas e elegantes. 

Mas explique para essa mãe:


O que há de ruim nos médicos cubanos...

Claro que não sou favorável ao programa de forma geral. Sabem porque? Não porque são cubanos, não porque não passaram no REVALIDA ...mas porque foram trazidos aqui como escravos do sistema ditatorial de Fidel, compactuado por este governos que elegemos e continuamos a reeleger. E daí que eles são maus preparados? Se estivéssemos REALMENTE preocupados com a qualidade da atenção a saúde da população iríamos estar exigindo exames de proficiência em medicina de TODOS OS MÉDICOS do Brasil a cada 5 anos. Não que ele fosse perder o CRM - mas seria obrigado a fazer um atualização.

Fale para essa mãe que ganha farinha, pão, água, macarrão e leite que essa "dieta não é de qualidade" e portanto não vai mais receber. Afinal temos que lutar pela qualidade então ela só vai ter que esperar um pouco mais para quando pudermos mandar para ela "carne, ovos, leite, arroz, feijão de boas marcas". 

Explique para uma fila de 2300 pacientes que só vão poder fazer uma consulta porque estamos esperando modificações nos programas de governo que possam garantir uma consulta "de qualidade" através de planos totalmente apartidários e independentes da política eleitoral vigente.

Até parece que a gente nunca viu um erro posológico (nem sempre grosseiro) nas prescrições de colegas. 
Até parece que nós mesmos somos perfeitos e nunca tivemos um deslize prescricional.

Claro que devemos lutar por um ideal. Devemos te-lo em mente e ferozmente lutar para alcança-lo. Mas não podemos ignorar que há aqueles que não podem se dar ao luxo de esperar. Que soluções de curto prazo, paliativas e mesmo desesperadas as vezes são tomadas para que possamos minimizar o problema. 

E nós que estamos tomando essas decisões desesperadas.... fazemos as escolhas de Sofia diuturnamente. Não digo dos políticos que foram lá colocados por indicações ou por apadrinhamentos ou interesses partidários. Falo dos técnicos concursados que está lá, eleição após eleição,  para tentar solucionar os problemas estando sempre tentando aproveitar o pouquíssimo que lhes é dado para resolver um problema do tamanho do mundo.

É como dizer - faça um bolo floresta negra para essas 20 pessoas  - tá aqui um pão amanhecido e 2 copos d´água e um fogão (sem gás). 

Não temos como oferecer cirurgia laparoscópica para todo mundo (apesar de ser melhor)
Não temos como deixar 1 policial para cada 4 quadras da cidade (apesar de ser melhor)
Não temos como deixar 1 médico legista em todos as unidades de atendimento 24 horas por dia 7 dias por semana (apesar de ser melhor)
Não temos como deixar 1 delegado de polícia em todas as unidades policiais (pois seria melhor)
Não temos como deixar 1 investigador para cada crime ocorrido (apesar de ser melhor)
Não temos como dar carne diariamente para todas as famílias do Estado de SP (quem dirá no nordeste) - apesar quer seria melhor....

Temos que trabalhar com o que temos... Na ânsia de buscar o ideal, não podemos esquecer que há necessidade de trilhar um longo caminho - e não podemos deixar os menos favorecidos para trás no processo.  E nós médicos temos mania de criticar ferrenhamente mas desconhecemos - digo com toda certeza do mundo - DESCONHECEMOS a dura realidade do mundo das classes menos favorecidas. 

Mas as assembleias são vazias, as participações em passeatas são medíocres e nossas vozes são pouco ouvidas pois não gritamos como deveríamos. Com exceções, só sabemos reclamar no conforto do ar condicionado de nossos centro cirúrgicos e queremos que alguns deem a cara para bater para que colhamos as benesses caso elas venham.

Gente...  um pouco, as vezes, é muito mas muito melhor do que nada......






quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Por que estou insistindo nisso?

         Quando fui chamado para tomar posse no cargo de médico legista do Estado de São Paulo fiquei feliz. Pois acreditava que estava ingressando em uma instituição com grande poder modificador social. Logo de inicio ficamos arrasados com a perspectiva de ficar 3 meses em dedicação exclusiva e aquartelados na academia preparatória na capital do Estado. Porém parecia um pequeno preço, afinal de contas treinamento nunca é demais. Isso não foi uma realidade - mas conformados com a situação, os 77 médicos convocados terminaram o período de 3 meses em 72 profissionais, ou seja 5 baixas. Ao final deste período fomos comunicados que teríamos mais 1 mês de estágio. Surpresa para muitos e muita revolta. Afinal boa parte dos profissionais tem consultórios e uma vida profissional estabelecida que foi abruptamente interrompida com consequências financeiras de tremendo impacto e anunciar mais 1 mês de treinamento simplesmente do nada não foi bem recebido. 

           Então porque estou insistindo nisso?

           Sou formado em 1997 e após todo esse período sendo médico, organizamos nossa vida para reduzir atividades de risco ou insalubres. Dar menos plantão para não ter que acordar de madrugada, aumentar os finais de semana livres para ficar com a família e desfrutar um pouco mais da vida, etc.. Ingressar como legista vai totalmente contra tudo isso. Significa dar plantão, ultrapassar a carga horária destinada sem ganhar hora-extra, ser convocado para outra cidade porque caiu um avião ou qualquer outro desastre com múltiplas vítimas....

         Então porque estou insistindo nisso?

    Tive que largar minha família na minha cidade natal, largar minha profissão bem estabelecida, pedir demissão de 2 outros empregos que tinha... para ser tratado com desdém quanto as particularidades de ser médico e pai de família. Ignoram ao que parece que não moro no Butatã e sim a 150km de distância que levam 2,5 horas de trânsito. Alguns colegas tem residência a mais de 400km de distância com filhos que nem completaram 1 ano ainda.

       Então porque estou insistindo nisso?

       Ai ao final do curso preparatório, quando acreditamos que iríamos começar a trabalhar próximos aos nossos locais de residência, ficamos sabendo que por ordens superiores (dizem que do Governador ou da Superintendência ou do Secretário - seja lá quem for) talvez tenhamos que fazer "só mais um sacrifício" e irmos trabalhar por "mais alguns meses" em cidades longínquas.Apesar de apenas 1 médico ser de São José dos Campos, foram disponibilizadas 9 vagas na região (será que é porque é terra do Governador?). Temos 35 médicos que residem na capital, mas apenas 22 vagas na Grande São Paulo.  

         Então porque estou insistindo nisso?

        Mais 64 médicos (aproximadamente) estarão acabando o curso em 3 ou 4 meses e desde 2008 não tivemos nenhum concurso. Porque a súbita necessidade de lotar o Vale do Paraíba com legistas sendo que o Oeste paulista está muito mais carente? Um novo concurso para 140 médicos está para ser aberto em novembro. Concluo: Temos mais de 200 POSTO DE TRABALHO no Estado, por que então lotar os profissionais tão longe de seus locais de residência, afinal eles tem conhecimento do local de preferência de cada profissional.

       Então porque estou insistindo nisso?

     No final das contas acho que é inércia da multidão. Ou seja, poucos médicos desistiram pois temos esperança que a realidade será outra. Porém gritamos a ouvidos surdos para quem pode decidir isso. E muitos colegas dizem que, caso não estejam próximos de suas residências, vão jogar 2 anos de concurso público e mais 4 meses de treinamento no lixo. Lembrando que este curso preparatório custa dinheiro ao Estado, muito dinheiro!

       Então porque estou insistindo nisso?

     Porque ainda acho que seremos modificadores sociais. Somos auxiliares da justiça que mediante exames bem feitos forneceremos meios de prova para esclarecer eventos da pior face da humanidade - o crime violento. Homicídios, agressões, estupros, violência contra menores, idosos, mulheres. Identificação daqueles que não podem ser reconhecidos e desfechos de incertezas. 

       Mas estou cansado antes de ter começado.